Os canabinoides, substância presentes na maconha, se usados de modo
medicinal poderiam reduzir a fissura e aliviar os sintomas de
abstinência em usuários de heroína. É a sugestão que a neurocientista
Yasmin Hurd, da Escola de Medicina de Mount Sinai, faz em artigo
publicado nesta quinta-feira, 2, na revista Trends Neuroscience.
Especialista no modo de ação de canabinoides e opioides (substância
da heroína) no cérebro, ela propõe a abordagem com base em resultados de
um estudo piloto feito com seres humanos e alguns feitos com animais. O
trabalho foi motivado pela recente epidemia de vício na substância que
foi constatada nos Estados Unidos.
A pesquisadora cita dados das autoridades de saúde americanas, que
apontam que cerca de 2,5 milhões de pessoas no país foram diagnosticadas
com a chamada desordem por uso de opioide (OUD, na sigla em inglês) e
que 80 morrem por dia por overdose da droga.
Tanto os canabinoides quanto os opiodes regulam a percepção de dor
das pessoas, mas atuam sobre receptores diferentes do cérebro.
Enquanto os primeiros têm ação mais comprovada sobre dores crônicas,
os segundos aliviam dores mais agudas, por isso são usados em cirurgias
no formato de morfina. Estes, porém, são mais perigosos, pelo potencial
de causar overdose.
Seus receptores, explica Yasmin, são mais abundantes em uma área que
regula a respiração, podendo paralisá-la se a dose for alta. “Já os
canabinoides não fazem isso. Eles têm uma margem maior de benefícios
terapêuticos sem causar uma overdose”, explica em comunicado à imprensa.
Em estudos em animais, aponta a pesquisadora, um canabinoide
específico, o canabidiol, reduziu a fissura por mais de uma semana de
abstinência e pareceu ser capaz de restaurar alguns danos
neurobiológicos causados pelos opioides.
“A vantagem da maconha não é tanto porque elimina a dor dos sentidos,
mas porque ‘desacopla’ a sensação do sofrimento, provavelmente por
induzir uma ‘descorrelação’ de disparos neuronais”, disse o
neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro, coordenador do Instituto do
Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e defensor do uso
medicinal da maconha no Brasil, que comentou o artigo a pedido da
reportagem.
Questionado se isso poderia ter efeito também para usuários de crack,
como vem defendendo a secretária de Desenvolvimento Social de São
Paulo, Soninha Francine, para os usuários da capital, Ribeiro opinou que
sim. “Quando a pessoa está na nóia da pedra, é a maconha que segura a
onda, e pode permitir uma substituição total da droga”, disse.
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