O Paraná e outros seis estados do Brasil
ainda estudam se vão ou não aderir ao uso generalizado da cloroquina em
pacientes diagnosticados com a Covid-19. De acordo com levantamento
divulgado pelo Estadão nesta quinta-feira (21), o novo
protocolo do Governo Federal está sendo avaliado por comitês científicos
locais ou pelas Secretarias de Saúde.
Foto: AEN
Por outro lado, ao menos oito governos estaduais já sinalizaram que
não vão aderir ao uso – entre eles, São Paulo, Bahia e Rio Grande do
Sul.
Considerado epicentro do coronavírus no Brasil, São Paulo deve manter
a administração de cloroquina nos hospitais como era feita até então,
segundo afirmou o governador João Doria (PSDB). “Nós não faremos
distribuição nem aplicação generalizada da cloroquina, porque a ciência
não recomenda”, disse. “A ciência não orienta este procedimento e em São
Paulo nós seguimos o que diz a ciência.”
No Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite (PSDB) declarou que
“quem tem de tomar a decisão é o profissional de saúde”. “Não há
evidência suficiente para que a cloroquina tenha administração
irrestrita, pelo contrário: são feitos muitos alertas sobre possíveis
efeitos colaterais graves.”
O governador da Bahia, Rui Costa (PT), também se opôs à nova
recomendação do Ministério da Saúde e criticou a politização do remédio.
“Não será adotado. Os médicos com seus pacientes e familiares definem o
protocolo de atendimento”, disse ao Estadão. “Na Bahia receita médica
não é definida por ideologia ou pelos políticos.”
Por sua vez, o governo Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, disse que
“não há certeza científica em nível internacional ou nacional” sobre o
assunto. Em Pernambuco, o governo Paulo Câmara (PSB) afirmou que “recebe
com preocupação as novas orientações do Ministério da Saúde” e destaca
não haver número suficiente de comprimidos, caso se queiram tratar todos
os casos leves.
“Não há nenhuma modificação”, afirmou por sua vez o secretário da
Saúde da Paraíba, Geraldo Medeiros. Segundo afirma, o corpo técnico da
área tem estudado “inúmeros trabalhos” e não há “evidências científicas
comprovadas” dos benefícios da cloroquina. “É fundamental que (o uso)
seja sob prescrição médica, porque o médico se responsabiliza por essa
prescrição”, disse. No Norte, o governo Helder Barbalho (MDB) também diz
que não vai alterar a administração da cloroquina nas unidades do Pará.
No Mato Grosso do Sul, o secretário de Saúde, Geraldo Resende, disse
que o medicamento adquirido pelo governo foi destinado para trabalho
científico em duas unidades hospitalares. “O uso da cloroquina é
reservado à decisão do médico em relação à aplicação.”
SUS
O secretário do Maranhão, Carlos Lula, afirma que há receio sobre a
orientação estimular pressão da população sobre gestores do Sistema
Único de Saúde (SUS) e médicos. “Indiretamente já tem acontecido, mas é
um erro.
Debate equivocado. O presidente (Bolsonaro) acaba trazendo isso ao
centro do debate”, disse. “A gente sabe que não há medicação 100%
eficaz. A maioria dos pacientes melhora sem tomar nada, pode tomar
cloroquina ou tubaína, vai dar na mesma. É um debate equivocado”, disse o
secretário, em uma alusão à ironia feita por Bolsonaro, em live na
terça.
Médicos pressionados
Para especialistas, recomendações de uso da droga devem exercer
pressão sobre médicos para a prescrição. “Não só pela recomendação em
si, do governo, mas, sobretudo, pela pressão do público leigo, pacientes
e familiares”, diz Jorge Salluh, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
Para Salluh, deve haver também um outro tipo de pressão, no futuro.
“Qualquer um que prescrever essa droga hoje, no futuro pode ser
processado por má prática, no meu entender”, afirmou. “Porque prescreveu
droga sobre a qual não há benefícios comprovados e há potencial de
risco ligado à dosagem.”
Advogados ouvidos pelo Estadão avaliam que a iniciativa é simbólica e
política, sem obrigar prescrição. Para Davi Tangerino, professor de
Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), a medida não é
passível de processo criminal. “O que faz é uma autorização”, explicou.
Segundo o jurista, não se trata de uma norma que obrigue os médicos a
usarem a droga nos casos leves da doença. A adoção do tratamento
continua a critério dos especialistas. “A meu ver, não cabe
responsabilizar criminalmente (o ministério)”, disse.
Mas o professor explicou que Ministério Público ou Defensorias
Públicas podem, isso sim, apelar para o aspecto cível da questão, na
medida em que essa norma pode levar as estruturas públicas, do SUS, por
exemplo, a sofrerem danos por uso de um medicamento sem a eficácia
comprovada contra a doença. “E esse é um outro aspecto”, alertou o
jurista.
O advogado Daniel Dourado, que também é médico, vê um “protocolo
informal”, ou seja, uma orientação de uso “fora da bula”. Sem a
indicação especificada no registro oficial, o uso seria ilegal. As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo