Agência Brasil
O medo das
consequências da infecção do vírus Zika e o impacto emocional das
primeiras notícias sobre a epidemia mudaram o significado da gravidez
para a mulher brasileira desde o fim de 2015. Nesta sexta-feira (11)
completa um ano desde que o Ministério da Saúde decretou a epidemia como
Situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.
A técnica de enfermagem Rosângela Veloso
trabalha há mais de 20 anos no Centro Integrado de Saúde Amaury de
Medeiros, conhecida como maternidade da Encruzilhada, no Recife (PE).
Acostumada à rotina de auxiliar os médicos nos exames de ultrassom, ela
conta que a epidemia afetou o comportamento das pacientes. “Antigamente,
a preocupação era o sexo, hoje em dia é o tamanho da cabeça. Os médicos
dizem que a fase da gravidez mais atuante para desencadear a síndrome é
de cinco meses em diante, mas no primeiro ultrassom ela já quer saber o
tamanho da cabeça”, relata Rosângela.
O obstetra e gestor executivo da
maternidade, Olímpio Moraes Filho, tem a mesma impressão de sua colega.
“Antigamente as mulheres iam felizes fazer ultrassom, hoje parece que
estão entrando numa câmara de gás, parece uma tortura, é um medo
tremendo. A gravidez tornou-se um sofrimento muito grande para as
mulheres e não estamos oferecendo informações seguras para elas, porque a
zika surgiu há pouco tempo”.
A percepção dos profissionais da
maternidade comprova-se por estudos feitos com as grávidas. O Instituto
Patrícia Galvão e o Data Popular divulgaram pesquisa com gestantes de
todas as regiões do país que fizeram o pré-natal pelo SUS, no contexto
da epidemia. O estudo mostra que 6 em cada 10 têm medo de fazer o
ultrassom e descobrir que o bebê tem microcefalia. Apesar do temor, mais
da metade delas gostariam de fazer mais exames durante o pré-natal. A
pesquisa revela ainda que 31% dessas mulheres não programaram a
gravidez, 23% temem o período da gestação devido à possibilidade do bebê
ter algum problema e 99% delas sabem que se a gestante for infectada
pelo zika, o bebê pode ter microcefalia.
A preocupação é ainda maior entre
aquelas que não planejaram a gestação, realidade comum entre as
pacientes da maternidade da Encruzilhada. “Nós temos uma clientela
normalmente de baixa renda, com pouca informação. Só procura informação a
respeito da zika e dos males que o mosquito provoca quando engravidam.
A maioria do nosso público é jovem, meninas com menos de 20 anos. Elas
chegam aqui amedrontadas, com pouca informação sobre como lidar com
aquela situação, porque para elas é tudo muito novo. E agora mais essa
problemática do vírus com a probabilidade do bebê nascer com sequelas.”,
relata a técnica de enfermagem Vilma Martins.
Planejamento e direitos reprodutivos
Os riscos da epidemia e o
desconhecimento sobre os reais efeitos da Síndrome Congênita do Zika
levaram o Ministério da Saúde, e em seguida a Organização Mundial da
Saúde, a recomendarem que as mulheres adiassem os planos de engravidar. A
recomendação acendeu o debate acerca do planejamento familiar e dos
direitos relacionados à reprodução e à sexualidade.
Para a representante do Fundo de
População das Nações Unidas, Fernanda Lopes, a crise trouxe uma
oportunidade de falar sobre os direitos reprodutivos e planejamento
familiar. “A epidemia do vírus Zika revela primeiro que os direitos das
mulheres não são considerados como direitos de primeiro plano, em
especial o direito em decidir por uma gravidez nesse momento, dentro
desse contexto de emergência sanitária, em especial, o direito de
planejar de forma voluntária, sem coerção, sem discriminação, sem
violência a sua vida reprodutiva” defende Fernanda.
A decisão de engravidar ou não e quantos
filhos ter é um direito previsto na Constituição Federal. O artigo 226
diz que o casal tem liberdade de planejar sua vida familiar e
reprodutiva e o Estado deve garantir os recursos para exercício desse
direito. Em 1990, o Brasil regulamentou essa questão com a edição da Lei
do Planejamento Familiar que, entre outros pontos, inclui o direito à
esterilização voluntária. Apesar das políticas, a gravidez não planejada
é uma realidade no Brasil: segundo o Inquérito Nacional sobre o Parto e
o Nascimento, 30% das mães entrevistadas não queriam engravidar.
A recomendação para adiar ou planejar a
gravidez esbarra em outro direito: o de acesso aos métodos
contraceptivos, principalmente entre a população que está mais
vulnerável à epidemia. A Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e
Promoção do Uso Racional de Medicamentos no Brasil (PNAUM 2014) revela
que 89,4% das mulheres não grávidas tinham acesso a contraceptivos orais
e injetáveis, em serviços públicos ou privados de saúde. Entre as
jovens de 13 a 19 anos, 13,2% não tinham acesso. As regiões Centro-Oeste
e Nordeste apresentaram as maiores proporções de acesso nulo aos
métodos, 15% e 10,4%, respectivamente.
As Unidades Básicas de Saúde deveriam
ter todos os métodos contraceptivos disponibilizados para a população.
Mas, na prática, há dificuldades para atender toda a demanda. A farmácia
popular da maternidade do Cisam, no Recife, por exemplo, mantém o
estoque com as doações que recebe de laboratórios farmacêuticos e as
remessas não são constantes. Os postos de saúde passam por problemas
semelhantes. Em João Pessoa (PB), uma das unidades de saúde da família
oferece todos os métodos contraceptivos, mas os que são mais utilizados,
pílula combinada e injetável, acabam logo. A remessa que deve ser
enviada anualmente pelo Ministério da Saúde para municípios acima de 500
mil habitantes não chega no prazo.
A coordenadora de Saúde da Mulher e da
Rede Cegonha de João Pessoa, Tanea Lucena, reforça que a oferta de todos
os métodos é essencial para o trabalho de planejamento familiar,
principalmente entre jovens e adolescentes.“Eu sempre digo que tudo
começa no planejamento da vida sexual e reprodutiva. Quando a gente fala
no planejamento da vida sexual e reprodutiva são mulheres e homens, não
tem como eles ficarem de fora. Porque a gente entende que tendo acesso
na unidade de saúde, com o aconselhamento correto, com atividades
educativas, isso vai reduzir bastante a questão não só das DST's, mas de
gravidez indesejada. Sabemos que hoje alguns problemas de saúde que
acometem o bebê podem ser evitados por meio das consultas. Ela chega na
unidade de saúde e diz que quer engravidar daqui a dois ou três meses. A
partir dali ela começa a fazer uso de alguns medicamentos que previnem
vários problemas neurológicos. A gente sabe que uma grande parte dos
nascidos, em quase todos os municípios, são de gravidez que não foi
planejada”, afirma Tanea.
Em nota, o Ministério da Saúde respondeu
que “apoia e promove ações de saúde sexual e reprodutiva, por meio da
disponibilização de orientações, informações e métodos contraceptivos,
sempre com respeito à autonomia e ao direito de exercer a sexualidade e a
reprodução, livre de discriminação, imposição e violência.” A nota diz
ainda que, de 2011 a 2015, o ministério distribuiu em todo o país 2,4
bilhões de preservativos masculinos e femininos e investiu, no mesmo
período, R$ 160,6 milhões na aquisição de diferentes métodos. No caso do
estado da Paraíba, o ministério alega que foram enviados em 2015 e no
primeiro semestre de 2016, mais de 400 mil contraceptivos, entre ampolas
injetáveis, cartelas de pílulas e o dispositivo intrauterino (DIU).
Considerando a possibilidade de
transmissão sexual do vírus Zika e outras doenças, o ministério orienta
que “deve haver envolvimento e corresponsabilização de homens adultos,
adolescentes e jovens na escolha e no uso do método e na dupla proteção”
e recomenda, em especial às gestantes e seus parceiros, a utilização de
preservativos masculinos ou femininos em todas as relações sexuais
(oral, anal e vaginal).
Nenhum comentário:
Postar um comentário