Documento que altera Estatuto do Desarmamento foi aprovado no Senado e segue para ser analisado pela Câmara
Há muito tempo a vida no campo deixou de ser sinônimo
de tranquilidade ou de vida pacata. Nos sítios, chácaras e fazendas, o
medo da violência é constante. Notícias de roubo de gado, assaltos a
propriedades e até mesmo de latrocínios (roubos seguidos de morte) têm
tirado o sono de quem vive a dezenas de quilômetros de distância de uma
unidade da Polícia Militar. Muitos deles têm apelado para uma solução
extrema: armar-se.
E a gravidade do tema chegou até o Congresso. No fim de novembro do ano passado, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou projeto que autoriza a compra de arma de fogo por moradores da zona rural. O texto altera o Estatuto do Desarmamento para permitir a aquisição de armas de fogo por residentes em áreas rurais maiores de 21 anos. A medida ainda precisa passar pela Câmara antes de ser enviada para sanção presidencial.
Gustavo Carneiro
Morador da zona rural de Londrina que teve um funcionário assassinado apoia liberação de armas no campo
Atualmente,
o Estatuto do Desarmamento estipula a idade mínima de 25 anos para o
caçador de subsistência ter o porte de arma concedido pela Polícia
Federal. Para isso, os proprietários rurais devem atender a
pré-requisitos como identificação pessoal, atestado de bons antecedentes
e comprovante de residência em área rural. O indicativo de que essa
mudança pode acontecer não foi bem recebido pela Comissão Pastoral da
Terra. Já para o Sindicato Rural Patronal de Londrina, se a medida for
aprovada, atenderá uma reivindicação antiga dos proprietários rurais.
O coordenador da executiva nacional da Comissão Pastoral da Terra, Paulo César Moreira, não acredita que a individualização do problema da violência trará solução para a segurança pública. "Historicamente a situação fundiária no Brasil é tradicionalmente caótica, com situação de grilagem de terras públicas, milícias armadas no campo a favor de empresas e em detrimento da agricultura familiar. Para nós qualquer tentativa de armar o cidadão com o argumento de visar o aumento da segurança é uma falácia", critica. "No caso do campo, o que nos preocupa é o aumento exponencial da violência", acrescenta.
Segundo ele, o último caderno de conflitos elaborado pela Comissão Pastoral da Terra identificou 1.536 conflitos armados no campo em 2017 envolvendo disputas por terra, água e trabalho. Ao todo, esses conflitos atingiram 909.843 pessoas no campo. "Com a precariedade e a fragilidade das políticas públicas voltadas às famílias que estão nos assentamentos e com o grande número de famílias reivindicando o direito à terra, armar a população no campo nos revela uma articulação muito forte da indústria armamentista e da bancada ruralista", comenta.
Levantamento da Comissão Pastoral da Terra aponta que 220 pessoas morreram em 46 massacres registrados em nove Estados da Federação ao longo dos últimos 32 anos. "Em 2016 foram registradas 61 mortes no campo e no ano passado os dados parciais apontam que foram registradas 65 mortes. Foi um ano extremamente violento", argumenta Moreira. Um dos mais trágicos foi o Massacre de Pau d‘Arco, no Pará, que matou dez trabalhadores rurais em maio do ano passado.
Os números também chamam atenção no relatório "Defender la Tierra – Asesinados globales de defensores/as de la tierra y el medio ambiente en 2016", da Global Witness, organização internacional que avalia vínculos entre conflitos e a exploração de recursos naturais, pobreza e direitos humanos, divulgado em agosto do ano passado. O documento aponta que houve no Brasil 49 assassinatos de defensores do direito à terra, números que colocam o País na liderança de assassinatos por este motivo no mundo. O Brasil é seguido por Colômbia (37), Filipinas (28), Índia (16), Honduras (14), Nicarágua (11), República Democrática do Congo (10), Bangladesh (7), Guatemala (6) e Irã (3).
Moreira ressalta que o fato do relatório da Global Witness apontar o Brasil como o País que encabeça as mortes de defensores da terra e do meio ambiente expõe que a estratégia dos ruralistas é cruel. "Outro dado importante é que as forças policiais possuem uma relação diferente entre quem tem uma grande concentração de terras e quem utiliza a terra para sobreviver". De certa forma, argumenta ele, "as polícias criminalizam pequenos produtores rurais, assentamentos, movimentos por moradia, e comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas".
FAVORÁVEL
O presidente do Sindicato Rural Patronal de Londrina, Narciso Pissinati, se mostra favorável à mudança na legislação. "É uma reivindicação que temos feito há muito tempo. A população rural é bem menor que a urbana e por este motivo a assistência que a Polícia Militar faz na zona rural é quase nada. Isso porque a polícia tem dificuldade de se deslocar para atender uma minoria. Enfrentamos problemas diariamente de assaltos, bandidos fazendo moradores de reféns, sequestros e furtos de equipamentos e maquinários agrícolas. É uma necessidade que temos há muito tempo", aponta.
"A Polícia Militar deveria fazer o trabalho de abordagem de veículos e pessoas com frequência. Fazendo essa ronda constantemente é possível ter uma referência se um carro que passa na zona rural é da região ou não. Isso possibilitaria chegar nesses bandidos antes do crime acontecer. Se eles fizerem questionamentos sempre é possível ter essa noção", reivindica. No entanto, ele aponta que somente essa alteração não é suficiente para coibir esses crimes contra os moradores e trabalhadores da zona rural.
De acordo com Pissinati, uma das grandes dificuldades que os policiais enfrentam quando recebem um chamado é a dificuldade de localizar a propriedade em que a ocorrência está acontecendo. "A Copel tem o georreferenciamento de cada poste na zona rural e pode ajudar a resolver esse problema. Se a empresa tem todo esse levantamento, poderia auxiliar nesse problema logístico e facilitar o trabalho do policial militar", sugere. "Muitos soldados vêm de outra cidade e não conhecem a região. Eles perdem tempo nesse deslocamento e muitas vezes nem chegam ao local da ocorrência. Isso mostra que não é só a arma que vai resolver", analisa.
INVESTIGAÇÃO
Além disso, Pissinati critica a falta de investigação dos grupos de criminosos que atuam na zona rural. "É preciso fazer um trabalho de investigação em cima desses bandidos", cobra. Ele também propõe que as polícias coloquem um botão de pânico em cada propriedade que permita o acionamento das autoridades na hora, possibilitando que os policiais vejam no computador ou no tablet quem está pedindo ajuda em tempo real. Para Pissinati, as forças de segurança deveriam atuar mais integradas. "Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal precisam trabalhar em conjunto na zona rural. Eles não podem atuar isoladamente", reivindica.
Questionado sobre os apontamentos de Paulo César Moreira, que vê na medida um incentivo aos conflitos armados e à formação de milícias, ele descarta essa hipótese. "De jeito nenhum. O proprietário rural não pode sair de sua propriedade com a arma na mão. Ela vai ficar na propriedade. Quem circula com a arma na mão sem a autorização do Exército comete crime, é um fora da lei", diferencia. "Sem o policiamento próximo, como nas cidades, o produtor rural tem que ter um algo a mais para sua defesa", argumenta. De acordo com Pissinati, com a mecanização da agricultura, as propriedades possuem áreas grandes e pouca população. "Fica difícil manter o empregado seguro nas propriedades e há um temor do que os bandidos podem fazer com a nossa família", relata.
O presidente do Sindicato ressalta que o projeto prevê que cada um que adquirir uma arma é identificado, faz curso psicotécnico e que "não é tão fácil adquirir a arma como muitos imaginam". "Claro que tudo tem seu risco é preciso cobrar a fiscalização das autoridades e existir um controle rigoroso. Mas a liberdade de defesa diminui os roubos e assaltos", defende.
Agricultor vítima de violência reivindica 'direito de defesa'
Um proprietário rural de Londrina, que não será identificado por questões de segurança, teve um funcionário morto por bandidos em 2016. Ele relata que desde que o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor, a zona rural ficou insegura. "Na época roubaram o meu carro, meu talão de cheques e a venda de um amigo nosso. Chamamos a polícia e ninguém apareceu", relembra.
O agricultor ressalta que todos os seus vizinhos já foram assaltados. "Em 2017 graças a Deus não aconteceu nada, mas para nossa região é bom que tenha essa mudança na legislação, pela nossa segurança. Para a gente ia ser uma beleza. Já tem gente correndo atrás de documentação na nossa região para poder ter uma arma. Já estão tirando CR (Certificado de Registro) para que no dia em que a lei for aprovada, eles já tenham tudo certo", conta.
Outra forma que os sitiantes encontraram para se proteger foi a união por meio da tecnologia. Fizemos um grupo de vizinho solidário em que um liga e já aciona o socorro", aponta. Ele destacou que um grupo de proprietários rurais até se cotizou para arrumar viaturas para que o patrulhamento seja realizado. "Antigamente todo mundo era armado, mas com o Estatuto do Desarmamento, muita gente que tinha espingarda a entregou na delegacia. Agora o pessoal já está se manifestando e disseram que vão comprar as armas de novo. Um policial conversou com a gente e disse a todos para comprar armas registradas para não dar problema", revela.
Segundo o agricultor, o mesmo policial teria lhe recomendado para se fechar dentro de casa e dar uns tiros para o alto só para assustar os bandidos, isso se a pessoa tiver posse de arma regularizada. O proprietário rural que falou com a reportagem reforçou que o Estatuto do Desarmamento deixou os moradores dos distritos rurais desprotegidos, sem o direito de se defender. "Desde então acabou para a gente. Não podemos fazer nada. Só os bandidos têm armas e sabem que não existe arma no sítio. Acabou o sossego", desabafa. A reportagem fez contato com o 2º Comando Regional da Polícia Militar para comentar o assunto, mas o oficial designado a responder à reportagem estava em viagem e não foi localizado.
Mais de cem projetos buscam alterar Estatuto do Desarmamento
Além do projeto que autoriza a compra de armas por moradores da zona rural, o senador Wilder Morais (PP-GO) também é autor de outro projeto que prevê a revogação do Estatuto do Desarmamento e a sua substituição por uma nova lei que assegure o porte de armas de fogo a quaisquer cidadãos. O gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, aponta que existem mais de cem projetos buscando a flexibilização do Estatuto do Desarmamento na Câmara e no Senado e que esse projeto aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado não é dos mais graves. "O ponto principal dele é que reduz a idade mínima para a aquisição de armas de fogo de 25 anos para 21 anos".
"Via de regra somos contrários a qualquer tipo de flexibilização do Estatuto do Desarmamento, porque a gente acredita que há uma importância grande em uma política restritiva no controle das armas de fogo, ainda que a legislação de hoje possibilite a compra de armas de fogo, embora o porte de armas permaneça restrito. Essa restrição é positiva, porque a gente considera que o fato de andar com a arma de fogo aumenta muito o risco contra a segurança pública", explica.
O gerente ressalta porém que há uma diferença entre o ambiente urbano e o ambiente rural e isso precisa ser entendido. "No ambiente urbano você tem uma infraestrutura de segurança específica, mais aparelhada. Em muitas regiões rurais há uma distância de deslocamento até a propriedade rural e a gente acredita que não há problema em um tipo de acesso diferenciado. Mas tem que ter muito cuidado para ter uma distinção do que é posse na propriedade rural, ou seja apenas dentro dos limites da propriedade, e o que é porte, que é quando a pessoa carrega junto ao corpo dela", diferencia.
Ele explica que existem outros projetos mais polêmicos. "Há uma confusão entre porte e posse de arma. Uma coisa é ter autorização para comprar arma de fogo e manter dentro dos limites de sua propriedade e outra coisa é possibilidade de porte. Um dos projetos que tramitam na Câmara substitui a necessidade de declaração de antecedentes criminais por uma mera declaração de um delegado ou uma autoridade policial.
"A gente sabe que o Brasil é um país continental muito diverso e há regiões como o sul do Pará, por exemplo, que rotineiramente é marcado por chacinas entre proprietários de terras, posseiros, trabalhadores sem terra e muitas vezes há o envolvimento de autoridades policiais nesses conflitos", alerta. Ele destaca que o envolvimento das polícias nessas regiões com conflito em nível muito alto, de violência muito exacerbada, deve ser levado em conta", observa. Angeli explica que nesse projeto da Câmara também não há necessidade de certidão de aptidão técnica para fazer a compra de arma de fogo, ou seja, a pessoa pode adquirir um artefato sem comprovar que sabe manuseá-lo.
O coordenador da executiva nacional da Comissão Pastoral da Terra, Paulo César Moreira, não acredita que a individualização do problema da violência trará solução para a segurança pública. "Historicamente a situação fundiária no Brasil é tradicionalmente caótica, com situação de grilagem de terras públicas, milícias armadas no campo a favor de empresas e em detrimento da agricultura familiar. Para nós qualquer tentativa de armar o cidadão com o argumento de visar o aumento da segurança é uma falácia", critica. "No caso do campo, o que nos preocupa é o aumento exponencial da violência", acrescenta.
Segundo ele, o último caderno de conflitos elaborado pela Comissão Pastoral da Terra identificou 1.536 conflitos armados no campo em 2017 envolvendo disputas por terra, água e trabalho. Ao todo, esses conflitos atingiram 909.843 pessoas no campo. "Com a precariedade e a fragilidade das políticas públicas voltadas às famílias que estão nos assentamentos e com o grande número de famílias reivindicando o direito à terra, armar a população no campo nos revela uma articulação muito forte da indústria armamentista e da bancada ruralista", comenta.
Levantamento da Comissão Pastoral da Terra aponta que 220 pessoas morreram em 46 massacres registrados em nove Estados da Federação ao longo dos últimos 32 anos. "Em 2016 foram registradas 61 mortes no campo e no ano passado os dados parciais apontam que foram registradas 65 mortes. Foi um ano extremamente violento", argumenta Moreira. Um dos mais trágicos foi o Massacre de Pau d‘Arco, no Pará, que matou dez trabalhadores rurais em maio do ano passado.
Os números também chamam atenção no relatório "Defender la Tierra – Asesinados globales de defensores/as de la tierra y el medio ambiente en 2016", da Global Witness, organização internacional que avalia vínculos entre conflitos e a exploração de recursos naturais, pobreza e direitos humanos, divulgado em agosto do ano passado. O documento aponta que houve no Brasil 49 assassinatos de defensores do direito à terra, números que colocam o País na liderança de assassinatos por este motivo no mundo. O Brasil é seguido por Colômbia (37), Filipinas (28), Índia (16), Honduras (14), Nicarágua (11), República Democrática do Congo (10), Bangladesh (7), Guatemala (6) e Irã (3).
Moreira ressalta que o fato do relatório da Global Witness apontar o Brasil como o País que encabeça as mortes de defensores da terra e do meio ambiente expõe que a estratégia dos ruralistas é cruel. "Outro dado importante é que as forças policiais possuem uma relação diferente entre quem tem uma grande concentração de terras e quem utiliza a terra para sobreviver". De certa forma, argumenta ele, "as polícias criminalizam pequenos produtores rurais, assentamentos, movimentos por moradia, e comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas".
FAVORÁVEL
O presidente do Sindicato Rural Patronal de Londrina, Narciso Pissinati, se mostra favorável à mudança na legislação. "É uma reivindicação que temos feito há muito tempo. A população rural é bem menor que a urbana e por este motivo a assistência que a Polícia Militar faz na zona rural é quase nada. Isso porque a polícia tem dificuldade de se deslocar para atender uma minoria. Enfrentamos problemas diariamente de assaltos, bandidos fazendo moradores de reféns, sequestros e furtos de equipamentos e maquinários agrícolas. É uma necessidade que temos há muito tempo", aponta.
"A Polícia Militar deveria fazer o trabalho de abordagem de veículos e pessoas com frequência. Fazendo essa ronda constantemente é possível ter uma referência se um carro que passa na zona rural é da região ou não. Isso possibilitaria chegar nesses bandidos antes do crime acontecer. Se eles fizerem questionamentos sempre é possível ter essa noção", reivindica. No entanto, ele aponta que somente essa alteração não é suficiente para coibir esses crimes contra os moradores e trabalhadores da zona rural.
De acordo com Pissinati, uma das grandes dificuldades que os policiais enfrentam quando recebem um chamado é a dificuldade de localizar a propriedade em que a ocorrência está acontecendo. "A Copel tem o georreferenciamento de cada poste na zona rural e pode ajudar a resolver esse problema. Se a empresa tem todo esse levantamento, poderia auxiliar nesse problema logístico e facilitar o trabalho do policial militar", sugere. "Muitos soldados vêm de outra cidade e não conhecem a região. Eles perdem tempo nesse deslocamento e muitas vezes nem chegam ao local da ocorrência. Isso mostra que não é só a arma que vai resolver", analisa.
INVESTIGAÇÃO
Além disso, Pissinati critica a falta de investigação dos grupos de criminosos que atuam na zona rural. "É preciso fazer um trabalho de investigação em cima desses bandidos", cobra. Ele também propõe que as polícias coloquem um botão de pânico em cada propriedade que permita o acionamento das autoridades na hora, possibilitando que os policiais vejam no computador ou no tablet quem está pedindo ajuda em tempo real. Para Pissinati, as forças de segurança deveriam atuar mais integradas. "Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal precisam trabalhar em conjunto na zona rural. Eles não podem atuar isoladamente", reivindica.
Questionado sobre os apontamentos de Paulo César Moreira, que vê na medida um incentivo aos conflitos armados e à formação de milícias, ele descarta essa hipótese. "De jeito nenhum. O proprietário rural não pode sair de sua propriedade com a arma na mão. Ela vai ficar na propriedade. Quem circula com a arma na mão sem a autorização do Exército comete crime, é um fora da lei", diferencia. "Sem o policiamento próximo, como nas cidades, o produtor rural tem que ter um algo a mais para sua defesa", argumenta. De acordo com Pissinati, com a mecanização da agricultura, as propriedades possuem áreas grandes e pouca população. "Fica difícil manter o empregado seguro nas propriedades e há um temor do que os bandidos podem fazer com a nossa família", relata.
O presidente do Sindicato ressalta que o projeto prevê que cada um que adquirir uma arma é identificado, faz curso psicotécnico e que "não é tão fácil adquirir a arma como muitos imaginam". "Claro que tudo tem seu risco é preciso cobrar a fiscalização das autoridades e existir um controle rigoroso. Mas a liberdade de defesa diminui os roubos e assaltos", defende.
Agricultor vítima de violência reivindica 'direito de defesa'
Um proprietário rural de Londrina, que não será identificado por questões de segurança, teve um funcionário morto por bandidos em 2016. Ele relata que desde que o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor, a zona rural ficou insegura. "Na época roubaram o meu carro, meu talão de cheques e a venda de um amigo nosso. Chamamos a polícia e ninguém apareceu", relembra.
O agricultor ressalta que todos os seus vizinhos já foram assaltados. "Em 2017 graças a Deus não aconteceu nada, mas para nossa região é bom que tenha essa mudança na legislação, pela nossa segurança. Para a gente ia ser uma beleza. Já tem gente correndo atrás de documentação na nossa região para poder ter uma arma. Já estão tirando CR (Certificado de Registro) para que no dia em que a lei for aprovada, eles já tenham tudo certo", conta.
Outra forma que os sitiantes encontraram para se proteger foi a união por meio da tecnologia. Fizemos um grupo de vizinho solidário em que um liga e já aciona o socorro", aponta. Ele destacou que um grupo de proprietários rurais até se cotizou para arrumar viaturas para que o patrulhamento seja realizado. "Antigamente todo mundo era armado, mas com o Estatuto do Desarmamento, muita gente que tinha espingarda a entregou na delegacia. Agora o pessoal já está se manifestando e disseram que vão comprar as armas de novo. Um policial conversou com a gente e disse a todos para comprar armas registradas para não dar problema", revela.
Segundo o agricultor, o mesmo policial teria lhe recomendado para se fechar dentro de casa e dar uns tiros para o alto só para assustar os bandidos, isso se a pessoa tiver posse de arma regularizada. O proprietário rural que falou com a reportagem reforçou que o Estatuto do Desarmamento deixou os moradores dos distritos rurais desprotegidos, sem o direito de se defender. "Desde então acabou para a gente. Não podemos fazer nada. Só os bandidos têm armas e sabem que não existe arma no sítio. Acabou o sossego", desabafa. A reportagem fez contato com o 2º Comando Regional da Polícia Militar para comentar o assunto, mas o oficial designado a responder à reportagem estava em viagem e não foi localizado.
Mais de cem projetos buscam alterar Estatuto do Desarmamento
Além do projeto que autoriza a compra de armas por moradores da zona rural, o senador Wilder Morais (PP-GO) também é autor de outro projeto que prevê a revogação do Estatuto do Desarmamento e a sua substituição por uma nova lei que assegure o porte de armas de fogo a quaisquer cidadãos. O gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, aponta que existem mais de cem projetos buscando a flexibilização do Estatuto do Desarmamento na Câmara e no Senado e que esse projeto aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado não é dos mais graves. "O ponto principal dele é que reduz a idade mínima para a aquisição de armas de fogo de 25 anos para 21 anos".
"Via de regra somos contrários a qualquer tipo de flexibilização do Estatuto do Desarmamento, porque a gente acredita que há uma importância grande em uma política restritiva no controle das armas de fogo, ainda que a legislação de hoje possibilite a compra de armas de fogo, embora o porte de armas permaneça restrito. Essa restrição é positiva, porque a gente considera que o fato de andar com a arma de fogo aumenta muito o risco contra a segurança pública", explica.
O gerente ressalta porém que há uma diferença entre o ambiente urbano e o ambiente rural e isso precisa ser entendido. "No ambiente urbano você tem uma infraestrutura de segurança específica, mais aparelhada. Em muitas regiões rurais há uma distância de deslocamento até a propriedade rural e a gente acredita que não há problema em um tipo de acesso diferenciado. Mas tem que ter muito cuidado para ter uma distinção do que é posse na propriedade rural, ou seja apenas dentro dos limites da propriedade, e o que é porte, que é quando a pessoa carrega junto ao corpo dela", diferencia.
Ele explica que existem outros projetos mais polêmicos. "Há uma confusão entre porte e posse de arma. Uma coisa é ter autorização para comprar arma de fogo e manter dentro dos limites de sua propriedade e outra coisa é possibilidade de porte. Um dos projetos que tramitam na Câmara substitui a necessidade de declaração de antecedentes criminais por uma mera declaração de um delegado ou uma autoridade policial.
"A gente sabe que o Brasil é um país continental muito diverso e há regiões como o sul do Pará, por exemplo, que rotineiramente é marcado por chacinas entre proprietários de terras, posseiros, trabalhadores sem terra e muitas vezes há o envolvimento de autoridades policiais nesses conflitos", alerta. Ele destaca que o envolvimento das polícias nessas regiões com conflito em nível muito alto, de violência muito exacerbada, deve ser levado em conta", observa. Angeli explica que nesse projeto da Câmara também não há necessidade de certidão de aptidão técnica para fazer a compra de arma de fogo, ou seja, a pessoa pode adquirir um artefato sem comprovar que sabe manuseá-lo.
Vítor Ogawa
Reportagem Local
Reportagem Local
folha de londrina
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