Agência Brasil
Na próxima sexta-feira,
(11) completa-se um ano desde que o Brasil foi oficialmente atingido
por uma das maiores epidemias de sua história. Em 11 de novembro de
2015, o Ministério da Saúde decretou a epidemia do vírus Zika como
Situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. Naquela
data, já se passavam dois meses desde que médicos do Nordeste alertaram
para o alto número de nascimentos de bebês com microcefalia em diversos
estados.
Começava ali um longo período de
investigação e angústia para mães, mulheres grávidas e famílias.
Pesquisadores de diversas áreas mobilizaram-se até constatar que os
casos de microcefalia poderiam estar relacionados a um novo vírus
transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. A zika passou a ser o novo vilão da saúde nacional.
A descoberta
A descoberta
Os primeiros casos de infecção pelo zika
no Brasil ocorreram em meados de abril de 2015, na cidade de Camaçari,
região metropolitana de Salvador (BA). O infectologista Antônio Bandeira
atendeu os primeiros pacientes com os sintomas do vírus ainda
desconhecido no país. “Eu fiquei impressionado com a quantidade muito
grande de pessoas que estavam sendo atendidas na emergência do hospital
naquele momento, que chegavam com o mesmo sintoma. Manchas no corpo,
febre baixa, uma conjuntivitezinha e dores pelo corpo. Era como se fosse
a espécie de uma xerox de uma pessoa para outra.”, lembra o médico.
Os exames dos pacientes de Camaçari
foram enviados para a Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde foram
submetidos à análise de virologistas que constataram a presença do Zika e
comprovaram sua transmissão por vetor. “Quase a totalidade daquelas
amostras eram positivas para zika e a gente estava diante do primeiro
surto documentado do vírus no continente americano naquele momento. Nós
comunicamos o Ministério da Saúde imediatamente no dia 29 de abril.”
Como nem todos os pacientes manifestam
os sintomas da infecção, o registro do vírus no país só chamou a atenção
a partir do segundo semestre de 2015, depois do surgimento de casos de
adultos com a Síndrome de Guillain-Barré e do nascimento de centenas de
bebês com microcefalia, principalmente em Pernambuco.
Zika e microcefalia
A relação do vírus Zika com a
microcefalia foi descoberta pelos pesquisadores do Instituto de Pesquisa
Professor Joaquim Amorim (Ipesq), em Campina Grande (PB). “Na
realidade, a gente complementou o trabalho que já vinha sendo feito em
Pernambuco, os pesquisadores de lá já tinham levantado essa hipótese,
mas não tinham conseguido encontrar o vírus. Conseguimos detectar no
líquido amniótico e descobrimos que era o vírus asiático que está
circulando aqui no Brasil. Ele é muito mais agressivo e tem uma
predileção muito grande pelo sistema nervoso central”, esclarece Adriana
Melo, especialista neonatal e coordenadora do Ipesq.
O assunto ainda não tinha sido
amplamente divulgado pela imprensa quando Elaine Michele, 29 anos,
percebeu em seu corpo o sinal da notícia que mudaria sua vida. Ela mora
em São Lourenço da Mata, cidade da região metropolitana do Recife (PE).
Como o próprio nome sugere, o município é rodeado por uma mata, condição
que, aliada à falta de saneamento, favorece a proliferação do mosquito Aedes aegypti.
Mãe de Eduarda, de 14 anos, Elaine
esperava o segundo filho. Só não imaginava que seu sonho seria abalado
por uma epidemia. No terceiro mês de gestação, ela acordou toda
vermelha. As manchas no corpo passaram rápido, mas os efeitos foram
permanetes em sua vida. As oito ultrassons feitas durante o pré-natal
não foram suficientes para mostrar as calcificações no cérebro do bebê,
descoberta somente depois do nascimento.
“Fiz ultra com dopler colorido, fiz
ultra 3D, nada mostrava. Quando ele nasceu, para mim, foi um baque.
Fiquei sem chão. Mas, primeiramente, Deus e segundo, meu esposo, me
deram muita força. Mas, no começo, eu não aceitava. Perguntava por que
eu? Por que comigo? Me via só porque eu não sabia que existiam tantos
bebês iguais ao meu. Não conhecia a microcefalia como eu conheço hoje,
achei que fosse o fim”, lembra Elaine.
Elaine Michele, moradora de São Lourenço da Mata (PE), foi infectada
pelo vírus Zika durante a gravidez e teve um bebê com microcefaliaImagens/ TV Brasil
De acordo com o Ministério da Saúde, de
outubro de 2015 até outubro de 2016, foram notificados 9.953 casos de
microcefalia e outras alterações no sistema nervoso. Desse total, 4.797
casos foram descartados e 2.079 foram confirmados como microcefalia.
Outros 3.077 casos suspeitos permaneciam em investigação até 22 de
outubro. Do total de casos confirmados (2.079), 392 tiveram resultado
positivo para o vírus Zika. O ministério, no entanto, considera que
houve infecção pelo Zika na maior parte das mães que tiveram bebês com
diagnóstico final de microcefalia.
Diagnóstico tardio
Três tipos de testes são capazes de
detectar o vírus, mas apenas o chamado PCR está disponível na rede
pública de sáude. Os testes rápidos que identificam em 20 minutos se o
paciente já foi infectado alguma vez na vida pelo zika já estão prontos,
mas ainda não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). O
ministério anunciou a distribuição de 2 milhões de kits até o final
deste ano e mais 1,5 milhão até fevereiro de 2017. Enquanto isso, muitas
mulheres só sabem que foram infectadas com o vírus Zika depois do
nascimento do bebê.
A subnotificação é resultado da
dificuldade em realizar os testes. O diagnóstico rápido e preciso ainda é
um desafio, aponta o Professor Universidade Federal da Bahia e Diretor
do Hospital Geral Roberto Santos, Antônio Raimundo. “A grande
dificuldade é o exame em si. Nós tivemos muitos problemas com o RTPCR,
um exame muito caro e que você precisa fazer três vezes”. O
infectologista Antônio Bandeira também se queixa de dificuldades.
“Infelizmente, a gente tem o Aedes Aegypti transmitindo esses três vírus e tem que ter sistemas melhores de diagnóstico.
Investimento em pesquisa
Um ano depois do surto, especialistas já
reconhecem que os efeitos do vírus Zika podem ir muito além da
microcefalia. “Esse vírus já demonstrou sua associação não só com
microcefalia, mas uma sequência de defeitos congênitos, de complicações
neurológicas que hoje caracterizam o que a gente chama de Síndrome de
Zika Congênita”, alerta a professora de Ginecologia e Obstetrícia da
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Melânia Amorim.
A definição do conceito de Síndrome
Congênita do Zika não trouxe respostas para todas as incertezas que
persistem sobre a doença. O Instituto de Pesquisa de Campina Grande se
dedica atualmente à investigação de bebês com microcefalia infectados
pelo vírus Chicungunya, além de casos suspeitos de infecção por outros
vírus. O desafio é conseguir verba para concluir as pesquisas.
“Todo mundo está trabalhando meio que voluntário, ninguém tem bolsa ou recebe para fazer pesquisa. A gente não tem insumos. A nossa sorte tem sido as parcerias, tanto com a prefeitura, quanto com a universidade privada que tem ajudado na parte do diagnóstico e, principalmente, com a Universidade Federal do Rio de Janeiro que tem nos enviado todos os reagentes para pesquisa. Do contrário, a gente estaria de braços cruzados”, relata Adriana Melo, do Ipesq.
“Todo mundo está trabalhando meio que voluntário, ninguém tem bolsa ou recebe para fazer pesquisa. A gente não tem insumos. A nossa sorte tem sido as parcerias, tanto com a prefeitura, quanto com a universidade privada que tem ajudado na parte do diagnóstico e, principalmente, com a Universidade Federal do Rio de Janeiro que tem nos enviado todos os reagentes para pesquisa. Do contrário, a gente estaria de braços cruzados”, relata Adriana Melo, do Ipesq.
O Hospital Geral Roberto Santos, um dos
maiores da rede pública de Salvador (BA), também tem desenvolvido
pesquisas sobre o vírus e luta por investimento. “Para nós não existe
mais dúvida de que existe uma relação entre o vírus Zika e a
microcefalia. Mas, cada vez que a gente estuda isso, surgem mais
perguntas. Por quê? Por que tão grave? Qual é o período mais perigoso?
Existe alguma relação entre isso e uma infecção prévia por outro vírus?
Então, nós estamos estruturando diversos projetos de pesquisa para
responder a algumas dessas perguntas. Agora precisamos entender como
prevenir. Você pegou zika e está grávida, tem alguma coisa a se fazer?
Vai ter que fazer pesquisa para descobri isso. É preciso recurso, o
Brasil tem que investir em ciência e tecnologia”, afirma Antônio
Raimundo, diretor do hospital.
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