“Depressão é uma doença que faz a gente
parar de enxergar a realidade que está a nossa volta. Por mais que
alguém diga que você é bonita, bem-sucedida, nada disso adianta quando a
gente está com esse defeito na cabeça, que diz exatamente o contrário”,
conta Nauzila Campos, de 25 anos. A jornalista, advogada e modelo
convive com a doença desde 2015.
No mês em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para o aumento de casos de depressão, especialistas e pessoas em tratamento destacam a necessidade de debater o assunto e de lidar com a influência do bullying sobre a depressão e da depressão sobre o suicídio.
O número de pessoas que vivem com
depressão, segundo a OMS, cresceu 18% entre 2005 e 2015. A estimativa é
de que, atualmente, mais de 300 milhões de pessoas de todas as idades
sofram com a doença no mundo. “No pior dos casos, a depressão pode levar
ao suicídio, segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29
anos”, destaca a OMS.
“O problema da depressão é que, mesmo que
ela não seja crônica, ela é um fantasma que fica ali na moita, à
espreita, pronta para atacar novamente”, acrescenta Nauzila. Em uma das
crises, a advogada ficou horas vagando pelas ruas. Hoje, ela usa as
redes sociais para falar do problema.
A coordenadora da Comissão de Estudo e
Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria,
Alexandrina Meleiro, destaca que a falta de conhecimento faz com que o
assunto se torne tabu, por isso, é tão importante discutir o tema. “Só
sabe o que é depressão quem já passou ou está passando [por isso]. Quem
está de fora claro que tem preconceito: é por que não tem o que fazer, é
por que é preguiçoso. Então, [o doente] tem mil rótulos.”
O quadro de diminuição de autoestima,
tristeza, desânimo e perda cognitiva é resultado de alterações nos
neurotransmissores. “Então, a pessoa fica mais lenta nas reações
emocionais, no sono, no peso que pode alterar para mais ou para menos.
Uma infinidade de sintomas vai expor o quadro depressivo”, conta
Alexandrina.
Segundo a OMS, a depressão será em uma década a doença que mais vai afastar as pessoas do seu dia a dia.
Além das redes sociais, séries na internet, desafios virtuais e brincadeiras perigosas colocam esses assuntos em destaque.
Bullying
Rebeca Cavalcanti, de 24 anos, não tem boas recordações do primário. “Foi um período muito complexo para mim, e o tipo de bullying que
eu sofri foi por causa das minhas características físicas. Hoje em dia
em tenho um sério problema por causa da minha aparência”, lembra a
estudante.
Assim como Rebeca, dezenas de crianças e
adolescentes são alvo de piadas e boatos maldosos, além de serem
excluídos pelos colegas. Um em cada dez estudantes no Brasil é vítima frequente de bullying,
de acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(Pisa). Dados do relatório mostram que 17,5% dos alunos brasileiros, na
faixa dos 15 anos, sofreram algum tipo de bullying “pelo menos algumas vezes no mês”.
Segundo a psiquiatra, estudos mostram que casos de ansiedade e depressão podem estar relacionados ao bullying.
“Ele vai massacrando a autoestima e isso favorece desenvolver alguns
quadros, entre eles, de ansiedade e principalmente de depressão. Há
estudos nacionais e internacionais mostrando que pessoas vítimas de bullying são mais suscetíveis a desenvolver quadros depressivos.”
Desde o ano passado, está em vigor a lei que obriga escolas e clubes a adotarem medidas de prevenção e combate o bullying por
meio da capacitação de professores e equipes pedagógicas. A norma
também estabelece que sejam oferecida assistência psicológica, social e
jurídica às vítimas e aos agressores.
Saiba Mais
13 Reasons Why
A série 13 Reasons Why, disponível no catálogo de filmes do Netflix, aborda casos de bullying entre
adolescentes. A primeira temporada do enredo conta a história de um
jovem estudante que encontra uma caixa com várias fitas cassete na porta
de sua casa, gravadas por sua amiga que se suicidou. Em cada fita, a
menina dá treze motivos pelos quais cada pessoa a quem as fitas foram
enviadas, contribuíram para que ela se suicidasse.
CVV
A série fez com que aumentasse a procura
pelo serviço do Centro de Valorização da Vida (CVV). Para a voluntária
do CVV, que prefere ser chamada apenas de Leila, além de tratar como
política pública, é preciso incentivar formas de ajuda em casos de
depressão.
“A gente não pode ficar de braços
cruzados vendo isso. É uma questão de política pública. Quando a gente
está com uma dor no pé, a gente vai ao ortopedista, se o problema é o
coração, com taquicardia, a gente vai ao cardiologista. Então, quando a
gente está com uma dor emocional uma dor que não é física, a gente tem
que tratar também buscar auxílio para essas emoções.”
Leila conta que as pessoas que recorrem
ao CVV querem falar de suas angústias, de seus problemas de uma forma
sigilosa, de uma forma acolhedora. “[Agimos] para que ela se sinta à
vontade ali para falar coisas que talvez de outra forma ela não teria
com quem falar. Ela se sentiria julgada.”
Além das unidades em diversas regiões do país, o CVV atende pelo número 141.
Suicídio
De acordo com a OMS, o suicídio é
atualmente um problema de saúde pública, sendo uma das três principais
causas de morte, entre pessoas de 15 a 44 anos, e a segunda entre as de
10 a 24 anos. A cada ano, aproximadamente 1 milhão de pessoas tira a
própria vida, o que representa uma morte a cada 40 segundos. O Brasil
tem cerca de 10 mil registros anuais.
Estudos revelam que a maioria dos
suicídios está ligada a transtornos psiquiátricos como explica a
psiquiatra Alexandrina Meleiro.
Em meio a informações sobre desafios
virtuais e suicídios supostamente associados a jogos o médico Daniel
Martins de Barros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
de São Paulo, defende que o tema seja conversado entre pais e filhos.
“Os pais têm o papel de ajudar os filhos a
lidar com as informações que eles recebem do mundo. Não adianta você
falar eu não vou conversar com o meu filho sobre isso, porque seu filho
vai conversar sobre isso com outras pessoas. Então, é melhor você passar
sua versão”, destacou o psiquiatra. “Às vezes, a criança e o
adolescente não conseguem elaborar muito essa sensação de tristeza, mas
ficam mais irritados, às vezes mais agressivos, mais inquietos. Começam a
influenciar nos relacionamentos, no rendimento escolar. São mudanças
que você só percebe estando atento, estando envolvido com seus filhos.”
E é possível reagir. “Eu sei o que é
chegar ao fundo do poço e eu sei que é possível sair, não importa quão
fundo você chegue. Eu sei o que é você acreditar que nada tem saída em
relação àquele problema, que nada se pode fazer em relação à doença que
você tem. Mas eu quero dizer que tem sim. É possível sair dessa”, disse a
advogada Nauzila Campos.
Baleia Azul
O jogo virtual Baleia Azul é praticado em
comunidades fechadas de redes sociais como Facebook e Whatsapp e
instiga os participantes, em maioria adolescentes, a cumprir 50 tarefas,
sendo a última delas o suicídio. Pelo menos três mortes suspeitas de
estarem relacionadas ao suposto jogo são investigadas pelas autoridades
locais de Belo Horizonte, Pará de Minas (MG), Arcoverde (PE). No Rio de
Janeiro, a Polícia Civil investiga, pelo menos, quatro casos suspeitos,
todos envolvendo adolescentes a prática do jogo no estado. A Polícia
Federal busca os envolvidos com o jogo.
Na tentativa de proteger crianças e
adolescentes nas redes sociais, o Safernet, entidade que aborda a
questão da privacidade e segurança na internet, abriu uma linha para
falar com os usuários sobre o Baleia Azul. Por meio de um post no Facebook,
a instituição se põe à disposição para responder e-mail por 24h, para
conversar em tempo real com os internautas e em oferecer atendimento
psicológico a quem precisar.
Fonte: Agência Brasil
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