terça-feira, 17 de maio de 2016

Motociclistas são principais vítimas e causadores de acidentes

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Os motociclistas continuam sendo o "calcanhar de Aquiles" das estatísticas de acidentes de trânsito. Não são somente a maior quantidade de vítimas, como também os maiores causadores. Motoristas e motociclistas reconhecem que andam se estranhando demais no trânsito, mas também assumem que podem ser mais “camaradas” e se ajudarem para reduzir as estatísticas ruins.

Este é o caso do motoboy Antônio Fernandes, 57 anos, que trabalha no ramo há 15 anos. Ele já sofreu três acidentes e alega que não teve culpa em nenhum, que foram os carros os causadores. Em uma das vezes, colocou platina na bacia e voltou ao trabalho em 30 dias. No outro, teve uma luxação na costela que incomodou por quatro meses. "Motoboy não se dá ao respeito, mas carro também não respeita motoboy. A culpa é 50% de cada um. Se todo mundo se ajuda, o trânsito fica melhor", diz Antônio.
Hugo Harada
O motoboy Antônio Fernandes sofreu três acidentes, mas diz que não teve culpa em nenhum. Foto: Hugo Harada.


Controvérsia

André Ricardo Pereira, gerente geral da Fox Express, empresa de logística que possui quase 150 motofretistas, discorda que são os motoboys os grandes vilões dos acidentes com motos. Além do que é exigido por lei para exercer a profissão, todos os novos motoboys da empresa recebem treinamento em vídeo, com noções de segurança, direção defensiva e legislação. O treinamento se reflete numa quantidade muito baixa de acidentes entre os profissionais da Fox: este ano, apenas um se feriu ao cair da moto, mas por problema mecânico, e não falha humana. Em 2015, foram 2 acidentes; em 2014, 4 casos e em 2013, 3.

O mesmo acontece nos Correios, que já tinha um programa de treinamento para todos os funcionários da frota motorizada. E desde dezembro de 2015, iniciou um curso específico para motofretistas, de 25 horas, que abrange ética e cidadania na atividade profissional, noções básicas de legislação, gestão de riscos sobre duas rodas, segurança e saúde.

Segundo Isabela Alves França, gerente de educação corporativa dos Correios, ainda não é possível mensurar os resultados da ação, por ser muito recente. Mesmo assim, com base no antigo treinamento, ela considera baixas as quantidades de acidentes na empresa. Num universo de 1.094 funcionários que trabalham com motos (de um total de 1.549 motorizados diversos), em todo o Paraná, 13 se acidentaram em serviço. E entre os funcionários que usam motos particulares para se deslocarem entre casa e o trabalho, dez se acidentaram. Mesmo assim, Isabela não está feliz com o baixo índice. "Como gerente da parte de educação, meu objetivo é não ter nenhum", destaca.
Motociclista ou motoqueiro?

"Temos que diferenciar motociclista de motoqueiro", analisa André Pereira, da Fox Express. Na visão dele, motociclista é aquele que anda corretamente, com todos os equipamentos de segurança, seguindo a legislação de trânsito e usando a direção defensiva. Já o "motoqueiro" é aquele que não respeita regras, não usa equipamento de segurança e sai fazendo barbaridades no trânsito.

"Se você ver, em 90% dos acidentes com motos não há motoboys, e sim motociclistas comuns, que não têm a ‘malícia’ do profissional. O motofretista sabe pilotar com cuidado, faz curso de motofrete, sabe evitar um acidente. Os nossos funcionários reclamam muito que os motoristas não respeitam, que dão fechadas no trânsito, que não dão passagem. O condutor do carro tem uma imagem ruim do motoboy porque o confunde com o motoqueiro. Os bons acabam pagando pelos ruins", opina.

O gerente fez uma análise da "Lei do Motoboy", que exige o pagamento de periculosidade (30% a mais do salário), por conta do risco da profissão. Esta periculosidade foi adotada, segundo André, após um estudo que mostrava a quantidade alarmante de motociclistas mortos em acidentes. "Mas depois da lei, viram que o índice continuou igual, porque o problema não está com o motoboy profissional. É com o motociclista comum, que não possui o treinamento que o motofrete recebe antes de começar a trabalhar", analisa.

Selo "moto expert"
A Prefeitura de Curitiba também entendeu que a estatística negativa das motos nos acidentes de trânsito não está relacionada aos motofretes profissionais, mas àqueles que usam a moto como modal entre casa e trabalho. Por isso, a Secretaria Municipal de Trânsito (Setran) está iniciando um projeto em grandes empresas, para treinar público e estimular condutas mais seguras no trânsito.

A primeira empresa a abraçar o projeto é os Correios, que assina hoje o convênio com a prefeitura. Os funcionários das empresas participantes vão assistir a dez módulos a distância (um a cada semana) e, após cada módulo, a Setran irá aplicar a parte prática do conteúdo. Os motociclistas que forem aprovados nos dez módulos recebem um certificado de "moto expert" e a empresa um selo de "empresa preocupada com o trânsito".

"Entre os modais particulares para deslocamento, a moto ainda é o modal mais barato e prático. Só que ainda há muitos problemas a serem resolvidos neste meio. Muitos motociclistas andam sem habilitação, sem preparo, sem especialização, sem segurança. É um público muito difícil se aproximar, são muito afoitos. Por isto vimos neste projeto uma forma de reduzir as mortes com motos", explica a secretária de Trânsito, Luiza Simonelli.
Felipe Rosa
Maior parte das colisões acontece no corredor entre veículos. Foto: Felipe Rosa. 

Índices ainda alarmantes

O índice de mortalidade de motociclistas envolvidos em acidentes é muito alto: passa dos 80%. Ano passado, a taxa chegou a 90%. De todos os tipos de acidentes ocorridos em Curitiba, diz o comitê do projeto Vida no Trânsito, 37,7% deles envolviam motociclistas, em 2014. No ano seguinte, o índice baixou para 32,6%. Mesmo assim, a quantidade de mortes de motociclistas ainda é muito alta, em relação aos acidentes sem motos.

"Como sempre, os motociclistas lideram a lista, representando 46% dos feridos e quase metade dos óbitos constatados no local do sinistro. Estima-se que 30% das colisões envolvendo motocicletas aconteçam no corredor entre carros", aponta o médico Carlo Valério de Andrade, que escreve a coluna Sinal Vital às segundas-feiras, na Tribuna. Onde há radares, diz ele, muitos motociclistas passam entre as pistas, onde não tem o laço que detecta a presença do veículo. "Motociclista continua sendo vilão e vítima. A moto é terra de ninguém. Capacetes todos usam, mas não usam a fivela. Muitos chegam no hospital sem queixo e sem dente pela falta de uso da queixeira", comenta o médico, que atende no pronto socorro de um grande hospital da capital.

A maioria dos motociclistas mortos em Curitiba, revelam dados do projeto Vida no Trânsito, eram homens, dos 20 aos 29 anos. A maior parte dos mortos eram os condutores e uma parcela pequena eram os passageiros. O uso de álcool e o desrespeito à sinalização continuam liderando os motivos destes acidentes. 80% destas motos eram de baixa cilindrada.

Eles custam muito caro
Para toda a sociedade, um motociclista acidentado custa muito mais caro do que outros tipos de pessoas feridas em acidentes. O primeiro custo desemboca nos hospitais e no Sistema Único de Saúde (SUS), salienta o médico Carlo Valério de Andrade. "Tem hastes de metal que são colocadas nos motociclistas que quebram perna ou bacia, por exemplo, que custam mais de R$ 100 mil", revela.

A secretária de Trânsito de Curitiba, Luiza Simonelli, concorda que os motociclistas feridos ou mortos são um passivo grande para a sociedade. "É o processo que tramita na Justiça, é a viúva que pede pensão por morte do marido, enfim, custos que as pessoas às vezes nem imaginam", lamenta.

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