O efeito dominó do aumento do desemprego e da
inflação apareceu no calote do pagamento de serviços básicos, como as
contas de luz, água e de serviços de comunicação. A costureira Angela
Rosa Alcon Velasques, de 56 anos, natural de La Paz, na Bolívia, e que
há dez anos vive no Brasil, por exemplo, deixou de pagar a conta de luz
porque perdeu o emprego. "Estou devendo seis meses de luz, mais de R$
1,6 mil", contou Angela, que tem quatro filhos. "Devo também o telefone
fixo, que foi cortado."
Angela usava uma máquina de
costura elétrica para trabalhar em casa e ficou inadimplente na conta de
energia e no telefone porque perdeu o trabalho. "Costurava para um
patrão brasileiro. Ele me demitiu, não tenho mais costura."
A
saída encontrada por Angela foi deixar o imóvel alugado. Agora ela
tenta uma renegociação da pendência com a Eletropaulo. "Mudei para um
barraco", disse a costureira, que gastava R$ 1,1 mil de aluguel. Pela
nova moradia, não vai pagar nada. Enquanto a situação não melhorar, a
costureira planeja fazer bicos e usar as poucas reservas que tem para
viver.
A auxiliar administrativa Adriana Carla Mendonça, de
40 anos, casada e com cinco filhos, é outra consumidora que ficou
inadimplente nos serviços básicos. No seu caso o motivo do calote não
foi desemprego, mas o aperto no orçamento em razão do aumento da
inflação.
"Tenho três contas de luz atrasadas que somam um pouco
mais de R$ 1 mil", disse. Com uma renda familiar de cerca de R$ 4 mil,
Adriana chegou a ter a luz cortada por falta de pagamento. Segundo ela, o
valor da conta deu um salto.
"Eu pagava R$ 150 e subiu para R$
500." No ano passado, a energia elétrica aumentou cerca 50%. Adriana
pagou a taxa de R$ 45 para religar a luz e agora tenta um parcelamento
em seis vezes da dívida pendente com a concessionária de energia. "Não
sei se vou conseguir pagar, mas sem luz não dá para ficar."
Tanto
Angela quanto Adriana engrossam as estatísticas do calote das contas
básicas que desde o ano passado não para de crescer. Em janeiro deste
ano, o grande destaque dos índices de inadimplência apurados pelo
Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional
dos Dirigentes Lojistas (CNDL) foram justamente as contas de serviços
básicos que são prestados.
"Não é só banco e loja que estão
deixando de ter o seu dinheiro de volta", afirmou a economista-chefe do
SPC Brasil, Marcela Kawauti. Em janeiro, o número de contas
inadimplentes de água e luz aumentou 17,01% na região Sul e 13,03% no
Centro-Oeste em relação ao mesmo mês do ano passado, enquanto a
inadimplência média (que inclui também pendências com comércio, bancos e
serviços de comunicação) cresceu cerca de 6% no mesmo período.
Já
nas regiões Norte e Nordeste, os maiores avanços do calote em janeiro
na comparação anual foram registrados em serviços de comunicação. No
Norte, foi de 9,89%, ante uma inadimplência média de 6,53% no período,
e, no Nordeste, de 12,39%, enquanto o calote médio da região aumentou
8,43%. A região Sudeste está fora das estatísticas de inadimplência por
causa das mudanças na lei de negativação vigente no Estado de São Paulo,
o que pode distorcer a base de comparação.
"A inadimplência tem
se colocado na vida dos brasileiros de forma tão abrangente que até as
contas mais essenciais estão deixando de ser pagas", observou Marcela.
Ela ponderou, no entanto, que as pendências com bancos respondem pela
maior parte das dívidas em atraso, entre 30% e 40%, dependendo da
região. Mas o avanço do calote em contas básicas é, na opinião da
economista, um sinal de alerta sobre a extensão e a gravidade da crise.
Sem
revelar os números, Luis Carlos Bento, presidente da Intervalor,
empresa de cobrança que tem boa parte da carteira nos segmento de
telefonia e TV por assinatura, confirmou que houve aumento expressivo na
inadimplência. Segundo ele, o principal motivo alegado pelo consumidor é
o desemprego. "A grande preocupação das empresas é não perder o cliente
que ficou inadimplente, por isso elas estão mais flexíveis na
renegociação", disse. "Essa crise está na população, as outras estavam
no mercado financeiro."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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